sábado, 22 de outubro de 2011

Entrevista de John Carlin para o AS



"Eu não aguentaria um dia na pele de Nadal"

Rafa - mi historia chegou ontem na Espanha. Uma autobiografia com memórias do jogador e da caneta de John Carlin(Londres, 1956/12/05). Um trabalho que foi feito entre janeiro e maio deste ano e já triunfou no mercado britânico. Todo o círculo intimo de Nadal o ajudou na história.


P - Você, que viajou com ele ao redor do mundo, você acha que na Espanha nós estamos cientes da dimensão que tem Nadal?

JC - Fiquei impressionado com o impacto que tem em muitos lugares. Não só entre os fãs de tênis. Há algo na imagem e personalidade que ele projeta que ressoa em muitas pessoas, um carisma. É um dos maiores nomes no mundo além do esporte.

P - Por que Nadal é uma figura tão cativante? Em um artigo para 'El Pais Semanal' você citou Juanma Trueba para o AS, em que aludia " exercício de superação " em cada jogo.

JC - Embora tenha sido o número um ou dois por seis anos, eu compartilho esse sentimento de Trueba de sempre parecer um Davi e Golias, mais talentosos, mais forte Rafa tem que superar uma força maior que a sua, é um jogo de conta-ataque, e esse tipo de personalidade atrai muito. 

P - O livro começa com um relato em primeira pessoa sobre a final de Wimbledon 2008, em que Rafa ganha de Federer. Por quê?

JC - Em um nível técnico, achei que seria melhor para quebrar o gelo e entrar no jogo de sua vida. Eu tenho o vídeo e vimos juntos e ele funcionou muito bem. Por outro lado, quando estou em um confronto épico como este eu me pergunto: 'O que ele está pensando esse cara?'. Termino este projeto com uma tensão incrível e só posso pensar em sair correndo. 

P - Lendo o livro percebemos dois 'rafas' muito distintos: O de dentro da quadra o de fora dela, com suas dúvidas e medos, como sua mãe Ana Maria o descreve "cheio de ambiguidades."

JC - Esse era o desafio de colaborar com esse projeto. Eu sempre tive a impressão de um guerreiro e gladiador que se transforma em quadra e, por outro lado, tivemos um cara muito doce. Acreditava que seria interessante aprofundar nisso. Na verdade, existem dois Rafas. Sua própria namorada (Xisca Perello) me disse não reconhecer Rafa em quadra. Torna-se algo mais, uma espécie de super-herói.

P - Moya diz, em um capítulo que "o segredo de sua atração em todo o mundo é que você pode ver a paixão de McEnroe com o auto controle de Borg. Um assassino de sangue frio.". Você vê isso?

JC - É engraçado como essas coisas combinam. Você pode associá-lo com Borg, mas não completamente, porque era gelo puro, enquanto que Rafa é um fogo controlado Ele também tem a paixão de McEnroe, mas não transborda.

P - Não se entende Rafa sem seu tio Toni. A pressão exercida sobre ele parece um pouco brutal.

JC - Brutal, mas vendo de maneira retrospectiva, fundamental. É um regime espartano. O livro reflete que a relação entre Toni e Rafa não foi um mar de rosas. Eles habitam um mundo tenso e deprimido e tem havido atrito, é claro.

P - A ética deste par é uma ética de trabalho muito aplicável a qualquer campo, certo?

JC - Sim, sim. Há lições claras. Seriedade, disciplina,continuidade de trabalho tremenda. Chama a tenção é que em Mallorca, como diz Moya é que lá tem um ambiente mais caribenho, veja esses que são mais alemães que o alemão mais rigoroso.

P - A família é a âncora que Nadal necessita para manter o equilíbrio.A relação tão sólida que descreve entre eles quase assusta.

JC - Sim, a história de Rafa não é como a de Agassi, cheio de controvérsia, drama, drogas, atriz de Hollywood. É o retrato de uma pessoa que viveu uma estabilidade notável, rodeado de muito amor. Sem estes fundamentos da família não seria nem de longe o campeão que ele é.

P - A sombra do campeão é Rafa Maymó. Chave em sua vida.

JC - Sim, ele o chama de Tintin. É absolutamente fundamental. É o seu amigo mais antigo, mas tem mais intimidade com ele do que com sua namorada. Maymó estão sempre juntos e não apenas na fisioterapia, mas um psicólogo, consultor, conselheiro,. Alguém muito, muito importante. Se Maymó deixá-lo seria um duro golpe.

P - já é reconhecida, mas no livro demonstra ainda mais o respeito e admiração deNadal para Federer. Como é a relação?

JC - De um lado se sente uma admiração e respeito por Federer como puro talento. Reconhece que a variedade de opções em quadra, tem mais que ele. E senti o respeito que se deve sentir um grande rival. É uma rivalidade que poderia facilmente ser feia ou maldosa como um Real Madrid-Barcelona. Mas, ao contrário. Eles são amigos íntimos. Um exemplo.

P - Por falar nisso, Djokovic o machucou muito este ano. O Nadal guerreiro sairá para conseguir vencê-lo?

JC - Agora que eu sei bem a sua natureza, eu sei que sempre que uma dificuldade se apresenta esse garoto supera. É a históriade sua vida e teve muitos pontos baixos. Saberá superar o desafio que aparecer. Na minha opinião, Djokovic fez o que ele fez com Federer: entrou em sua cabeça. Ele mostra que o tênis é um esporte tremendamente mental

P - Quais palavras o definem?

JC - A humildade e disciplina. Não animal. Eu, que que viajei com muito ele e estive em complicados contextos, não poderia sobreviver um dia na sua pele. Como ele vive, com tal intensidade. Há um ponto de pressão tremenda. Nunca relaxa. Seus rituais, como se preparar. É brutal. Tem pouco a ver com o nosso conceito de como ser de espanhol.

Fonte: AS.com